segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Análise de Cantigas


Cantiga de amor:

Senhora minha, desde que vos vi, 
lutei para ocultar esta paixão 
que me tomou o coração;
mas não o posso mais e decidi 
que saibam todos o meu grande amor, 
a tristeza que tenho, a imensa dor 
que sofro desde o dia em que vos vi.

Quando souberem que por vós sofri 
tamanha pena, pesa-me, senhora, 
que por vossa crueza padeci, 
eu que sempre vos quis mais que ninguém, 
e nunca me quisestes fazer bem, 
nem ao menos saber o que eu sofri.

E quando eu vir, senhora, que o pesar 
que me causais me vai levar a morte, 
direi, chorando minha triste sorte: 
“Senhor, por que me vão assim matar?”
E, vendo-me tão triste e sem prazer, 
todos, senhora, irão compreender 
que só de vós me vem este pesar.

Já que assim é, eu venho vós rogar 
que queiras pelo menos consentir 
que passe a minha vida a vos servir, 
e que possa dizer em meu cantar 
que está mulher, que em seu poder me tem, 
sois vós, senhora minha, vós, meu bem; 
graça maior não ousarei rogar.

(Afonso Fernandes)

As cantigas de amor têm como principal característica o eu lírico masculino que se encontra sofrendo por uma amada inalcançável ao seu ver. A amada é tratada como senhora, ou até mesmo senhor, para passar a ideia de que quem escreve a cantiga é submisso a ela.
            Na cantiga acima, de Afonso Fernandes, é possível ver claramente tais características. Desde a primeira estrofe o eu lírico deixa transparecer seu sofrimento por um amor não correspondido;

“ [...] que saibam todos o meu grande amor, 
a tristeza que tenho, a imensa dor 
que sofro desde o dia em que vos vi. “

            É possível perceber também que a voz masculina passa a imagem de sua amada como uma mulher que não sabe ou se importa com seus sentimentos, tais que matam o amante aos poucos. Sabendo disso o eu lírico, na última estrofe faz um pedido que reforça a ideia de submissão à senhora pedindo para que ele possa ser capaz de passar a vida a servi-la, pois, tal ato seria como uma graça em sua vida.
            Partindo agora para a estrutura é clara a precisão do trovador ao escrever, sempre se preocupando com a ordem das rimas, por exemplo.

Senhora minha, desde que vos vi, (1)
lutei para ocultar esta paixão (2)
que me tomou o coração; (2)
mas não o posso mais e decidi (1)
que saibam todos o meu grande amor, (3)
a tristeza que tenho, a imensa dor (3)
que sofro desde o dia em que vos vi. (1)

Quando souberem que por vós sofri (1)
tamanha pena, pesa-me, senhora, 
que por vossa crueza padeci, (1)
eu que sempre vos quis mais que ninguém, (4)
e nunca me quisestes fazer bem, (4)
nem ao menos saber o que eu sofri.(1)

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Cantiga de amigo:


Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,
por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!

(Martim Codax. In Massaud Moisés. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1998)


Enquanto na cantiga de amor percebemos o eu lírico masculino, nas cantigas de amigo vemos um eu lírico feminino que dirige o seu poema à um amigo que, embora seja amado, não é visto como superior. Quem escreve, na maioria das vezes se encontra admirando ou esperando o amado, como acontece no poema citado.
A estrutura de uma cantiga de amigo é mais simples e apresenta paralelismo e uma repetitividade para a fácil memorização.

Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!
(Martim Codax)

Cantigas de Escárnio:

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve. 

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração. 

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar. 

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
(Ferreira Gullar)

Maldizer:
Roi queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
por ua dona que gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela non quis [o] benfazer
fez-sel en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer dia!…
(Pero Garcia)

            Embora não sejam citados separadamente na maioria das vezes, estes dois tipos de cantigas apresentam diferenças. Em ambos os tipos ocorre uma crítica, mas nas de escárnio o autor faz isso indiretamente e por meio de palavras com duplo sentido, enquanto nas cantigas de maldizer o eu lírico não se preocupa em esconder suas críticas de alguma maneira          

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Referências: 
BERARDINELLI , In. FERNANDES, Afonso. Cantigas de trovadores medievais em português moderno.
In: GULLAR, Ferreira. Cantiga para não morrer. Online. Disponível em: <https://pensador.uol.com.br/frase/NjQwMjI/> . 25 set. 2016.
SOUSA, Pedro. Pero Garcia Burgalês . Online. Disponível em: <http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=1411&pv=sim >.Acesso:  25 set. 2016.
As cantigas de amigo. Online . Disponível em: <http://www.colegioweb.com.br/trovadorismo/as-cantigas-de-amigo.html>. Acesso: 25 set. 2016.


Imagens:
Cantigas de Santa Maria. Online. Disponível em: <http://lirakorbowa.pl/news/warsztaty/0 2016>. Acesso em: 25 set. 2016.
Cantigas de Santa Maria. Online. Disponível em: <http://identidade85.blogspot.com.br/2015/02/cantigas-medievais-aifremosinha-se-bem.html >. Acesso: 25 set. 2016.

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